Johann Sebastian Bach, um dos maiores compositores da história da música, teve um destino curioso em relação à sua obra.
Apesar de sua genialidade, grande parte de suas composições caiu no esquecimento após sua morte em 1750. A música de Bach era vista como técnica e ultrapassada, especialmente em uma época em que o estilo galante e o classicismo de compositores como Haydn e Mozart dominavam. No entanto, sua redescoberta no século XIX marcou um dos momentos mais importantes na história da música ocidental.
O papel de Felix Mendelssohn
O interesse pela música de Bach foi reavivado em grande parte por Felix Mendelssohn, que em 1829 realizou uma apresentação monumental da Paixão Segundo São Mateus, obra que impressionou profundamente o público e reintroduziu a profundidade da música bachiana a novas audiências. A partir deste ponto, Bach foi novamente alçado à posição de mestre indiscutível, não apenas em sua própria época, mas na história da música.
No século XX, a redescoberta de Bach foi acompanhada por uma nova maneira de pensar a performance musical: o movimento de interpretação histórica. Músicos e estudiosos começaram a se perguntar como as obras de compositores barrocos como Bach soavam em suas próprias épocas. Quais eram os instrumentos usados? Quais eram as práticas de afinação? Qual era o papel da ornamentação? O movimento, liderado por figuras como Nikolaus Harnoncourt e Gustav Leonhardt, buscava recriar as condições originais da performance, utilizando instrumentos de época e estudando tratados históricos de execução musical.
Exemplo de interpretação histórica da obra BWV.
O movimento HIP
A interpretação histórica mudou radicalmente a maneira como ouvimos Bach e outros compositores barrocos. Instrumentos como o cravo, oboé barroco e viola da gamba voltaram aos palcos, enquanto as técnicas de articulação e ornamentação passaram a ser estudadas com rigor. O resultado não foi apenas uma simples recriação do passado, mas uma forma de trazer à luz novos detalhes, sutilezas e emoções nas partituras.
Além disso, o movimento de interpretação histórica trouxe consigo uma nova abordagem à interpretação musical em geral. Onde anteriormente a tradição romântica enfatizava performances grandiosas e subjetivas, o novo movimento colocava a obra original no centro, buscando servir à música da maneira mais autêntica possível. Isso gerou debates entre músicos e críticos: seria essa "autenticidade" uma ilusão ou uma forma mais fiel de honrar o legado de compositores como Bach?
Hoje, o movimento de interpretação histórica é amplamente aceito e admirado. Muitos conjuntos especializados em música barroca, como o The English Concert e o Concerto Köln, enchem salas de concerto ao redor do mundo, oferecendo interpretações ricas em nuances históricas. As gravações de obras de Bach, com instrumentos de época, oferecem novas perspectivas sobre peças tão conhecidas como as Suítes para Violoncelo, os Concertos de Brandemburgoe as Paixões.
Assim, a redescoberta de Bach e a revolução interpretativa que o seguiu mostram que a música é uma arte viva, sempre aberta a novas interpretações e possibilidades. Ao ouvirmos uma interpretação histórica, somos convidados a nos aproximar mais do mundo sonoro que Bach e seus contemporâneos conheceram — uma experiência que nos permite entender melhor o gênio desse compositor que, mesmo séculos após sua morte, continua a nos maravilhar.
Théo Amon
Doutor em Letras e colunista da Bach Society Brasil
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